Noutros tempos, atores como Bruce Lee e Jackie Chan, ou realizadores do estatuto de John Woo e Ang Lee, tinham o sonho de de Hong Kong e da China para vingar em Hollywood.

Agora o movimento é ao contrário: uma reportagem especial do The Hollywood Reporter mostra que são cada vez mais os talentos de Hollywood atraídos pelos produtores de cinema da China. Tudo graças ao mercado cada vez maior e os gigantescos sucessos comerciais queestão a inflacionar os orçamentos.

O exemplo mais recente é "Animal World", um "thriller" chinês que desalojou "Mundo Jurássico: Reino Caído" do primeiro lugar das bilheteiras: trata-se de uma adaptação de um livro de banda desenhada japonês que tem no papel de vilão Michael Douglas, cuja interpretação foi muito elogiada pelos críticos locais.

Michael Pitt, muito esquecido em Hollywood, é outro a aproveitar a explosão do mercado: apareceu na comédia "Detective Chinatown 2", que rendeu 544 milhões de dólares nas bilheteiras e, escusado será dizer, é um "recorde" comercial no currículo do ator de "Boardwalk Empire" ou "Os Sonhadores".

Frank Grillo ("Vingadores") está ainda melhor: interpretou o vilão ocidental de "Wolf Warrior 2", que fez 870 milhões e é o maior "blockbuster" chinês de sempre.

Os senhores que se seguem são Bruce Willis e Adrian Brody, com as carreiras em baixo em Hollywood, que serão militares americanos em "Unbreakable Spirit" (também conhecido por "The Bombing"), uma produção chinesa sobre o bombardeamento japonês da cidade de Chongqing durante a Segunda Guerra Mundial.

As dinâmicas do cinema estão a mudar e muito depressa

Claro que já outros filmes chineses tiveram estrelas de Hollywood. Um deles até é recente: Matt Damon foi a estrela de "A Grande Muralha" (2016), que se tornou um grande flop nas bilheteiras.

Só que o objetivo passava por cativar tanto os espectadores na China como os deoutros países. Agora, os grandes filmes chineses apenas têm de apontar ao (gigantesco) mercado doméstico e escolher populares estrelas americanas é um dos ingredientes para aumentar a qualidade e conquistar os cada vez mais exigentes espectadores de cidades como Pequim ou Xangai, não os de Nova Iorque, Londres ou Paris.

Com as grandes receitas de bilheteira aumentam os orçamentos e os salários atraem as estrelas de primeira linha, algo que era impensável até há pouco tempo.

Outro "incentivo" é que os estúdios americanos, pressionados pela televisão e o "streaming", apostam em menos filmes e mais caros para atrair os espectadores: o espaço das produções com orçamentos de 50-70 milhões de dólares começa a ser ocupado pela China.

Este panorama não está apenas a desviar os atores: o Hollywood Reporter nota precisamente que a "transferência" do Ocidente para o Oriente passa ainda mais por quem trabalha atrás das câmaras.

É que os espectadores chineses querem ver grandes filmes de ação mas já não toleram o amadorismo técnico e exigem a mesma qualidade das produções americanas.

Uma vez que não existem profissionais com essa experiência e prestígio suficientes no interior da indústria cinematográfica local para satisfazer a procura, a receita ganhadora passa por combinar a alma chinesa com o melhor do profissionalismo de Hollywood: "Wolf Warrior 2" também tinha na ficha técnica Sam Hardgrave, especialista responsável pelas cenas de ação de "Vingadores: Guerra do Infinito", e uma banda sonora de Joseph Trapanese, o mesmo de "O Grande Showman".

Outras grandes produções a caminho têm a colaboração de profissionais de "O Senhor dos Anéis", "Matrix", The Revenant", "Deadpool" e "Velocidade Furiosa 7".

O mercado de cinema da China deve ultrapassar o dos EUA por volta se 2020 e com os custos a dispararem, os profissionais da Europa também começam a ganhar, principalmente diretores de fotografia.

"É como se o mundo se estivesse a virar ao contrário. No passado, estávamos a subcontratar a China para o trabalho barato. Agora, pelo menos no mundo do cinema, eles estão a vir à Europa fazer exatamente a mesma coisa", explicou o realizador e produtor italiano Chistiano Bortone, à frente de uma associação que se dedica precisamente a fortalecer os laços entre as duas indústrias de cinema.