John le Carré não poderia estar mais entusiasmado. Subitamente, 20 anos após a publicação do seu livro (cujos direitos foram adquiridos por um estúdio de cinema que o deixou enterrado no arquivo de produção), chega-nos "The Night Manager", uma história de amor, perda e vingança no complexo mundo do crime e espionagem. A série conta com a produção de Simon e Stephen Cornwell, filhos do escritor britânico.

O livro sofreu várias alterações para o argumento final da BBC. Uma das mais importantes prende-se com o aparecimento de uma personagem feminina na série que substitui uma personagem masculina e pivot no livro. Angela Burr é a resiliente e corajosa chefe de espionagem britânica que está grávida e trabalha num mundo de homens, não tem muitos amigos porque é honesta – soberba interpretação de Olivia Colman. O centro da ação também se altera de um iate de luxo para uma ilha paradisíaca em Maiorca. Da América do Sul e a Guerra contra a Droga mudamos de quadrante e dirigimo-nos para os países do Médio Oriente, sobretudo o Egito, onde a democracia está em jogo e se tem a cabeça a prémio. No seio da história mantém-se a fabulosa dinâmica de vontades e obsessões entre os principais protagonistas, Richard Roper e Jonathan Pine.

Jonathan Pine (Tom Hiddleston) é um ex-militar, veterano de duas campanhas no Iraque, que preferiu a vida discreta de um gerente no turno da noite de um hotel e foge a compromissos emocionais. No Cairo, aquando a primavera árabe, ação que depôs Hosni Mubarak, em plena convulsão nas ruas, uma residente do hotel, a amante do filho de uma família rica da cidade com ligações ao submundo do crime, passa uma pasta com documentos secretos a Jonathan Pine. A documentação indicia que um multimilionário britânico (Richard Roper) trafica armas por detrás da fachada de empresário legítimo. Jonathan Pine contacta o governo britânico mas é traído e a informadora é brutalmente assassinada no hotel. Anos mais tarde, Jonathan Pine cruza-se com Richard Roper quando está a trabalhar como gerente da noite num resort nos alpes suíços, o sentimento de culpa e vingança vem ao de cima e Jonathan Pine torna-se um agente infiltrado de um departamento de investigação britânica. O pequeno departamento está à margem da jurisdição e da posição dúbia do MI6, é liderado por Angela Burr (Olivia Colman) que persegue há vários anos o elusivo Richard Roper. A trama, além de cruzar dois homens com agendas distintas relembra os segredos nos corredores de poder, nas relações por vezes cinzentas em nome de um bem maior entre governos e agências de segurança internacionais que tentam perverter a via da Justiça.

"The Night Manager" é exuberante pela atmosfera de mistério, charme e complexidade nas relações e interesses pessoais e globais. É também um ato de puro realismo no olhar e na crueza de um mundo podre onde Richard Roper, um sociopata charmoso, carregado de cinismo e sem qualquer tipo de escrúpulos se torna rei e senhor quando compreende essa realidade sabendo navegar perante águas pestilentas. Richard Roper tem poder, dinheiro, é um homem implacável. O ator Hugh Laurie está no sétimo céu com este personagem e não falha uma nota. Numa sequência insólita que define o seu vilão, a filha de um anfitrião de uma festa suicida-se e Roper fica consternado por achar péssimo o timing do sucedido pois obriga-o a adiar a reunião agendada com o anfitrião…

É titânico o confronto entre Jonathan Pine e Richard Roper, uma história pessoal de redenção de um homem solitário, convicto nos seus princípios, que acaba por encontrar a sua alma no confronto com um criminoso internacional que é visto pelo mundo como um empresário legítimo, um filantropo com berço de ouro e educação de Eton, com os tiques da alta-sociedade britânica, mas que na realidade ficou multimilionário a vender armas que espalham a carnificina no mundo.

A ação desenrola-se numa ilha em Maiorca, onde Jonathan se torna membro do círculo privado de Richard Roper quando salva o seu filho de uma tentativa de rapto. Jonathan Pine tem de se proteger da desconfiança do braço direito de Richard Roper, Corcoran (Tom Hollander), e começa a sentir-se perigosamente atraído por Jed Marshall (Elizabeth Debicki), a namorada com metade da idade do nosso antagonista, uma mulher inteligente que tem um passado turvo e opta por não ver o verdadeiro monstro que tem à sua frente. Elizabeth Debicki confirma não só a sua extraordinária beleza mas a sua plena versatilidade dramática - recordamos que a vimos recentemente em "O Agente da U.N.C.L.E." (2015) e a atriz ainda participou na peça "The Maids", ao lado de Cate Blanchett e Isabelle Huppert, no Lincoln Center Festival, em Nova Iorque, em 2014.

A série traz-nos à memória a interpretação superlativa de Alec Guinness em "Tinker Tailor Soldier Spy", da BBC, muito por culpa de uma realização sem espinhas de Susanne Bier, oscarizada em "Num Mundo Melhor" (2010). A realizadora dinamarquesa tem o melhor trabalho da sua carreira, é a principal responsável da coesão entre o clima de tensão absoluta, a direção de atores e os cenários de fundo que capturam o mistério e a constante atmosfera de perigo iminente. A série foi filmada em Maiorca, Marrocos e Londres. O argumentista, David Farr, fez um trabalho exemplar na adaptação e reinvenção do romance e na lapidação dos personagens. Finalmente, o que dizer do xadrez humano perpetuado pelos desempenhos de sonho de Hugh Laurie e Tom Hiddleston? Ficamos absolutamente rendidos perante as interpretações nesta série de seis episódios.

"O Gerente da Noite" é um verdadeiro deleite, uma das séries do ano.

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