Seja como for, há, de facto, na série criada por Beau Willimon uma abstração trágica ("shakespeareana", apetece dizer) que envolve um fascínio muito especial.
Dir-se-ia que descobrimos em Frank J. Underwood, não apenas a pulsão política de quem, obstinadamente, quer construir uma perversa teia de poderes, mas também a malévola banalidade de quem o faz para além de qualquer motivação política. Ele é, afinal, alguém que transcende qualquer filiação classista — podemos olhá-lo como membro de um grupo privilegiado, situado no topo na hierarquia social; mas é um facto que podemos também caracterizá-lo como uma espécie de vagabundo errante e errático que desliza de um grupo para outro, apenas movido pela mais sistemática fúria predadora.

Talvez por isso, na segunda temporada da série, o magnífico trabalho de composição de Kevin Spacey na figura de Underwood — sem esquecer que o elenco (Robin Wright, Michael Kelly, etc.) é, todo ele, de uma impressionante solidez — foi sujeito a uma discreta contenção. Ainda mais? Assim é: em vez de uma máquina sempre pronta a devorar o seu semelhante, Underwood passou a ter algo de uma fera em hibernação. Tudo o que faz, mesmo quando marcado pelas mais perversas formas de violência psicológica, fá-lo com a suave persistência de quem está disposto a esperar uma eternidade pela consumação dos seus objetivos.

Quer isto dizer que, no final da temporada, o Vice-Presidente Underwood vai chegar à condição de... Presidente? Pensando nos leitores que ainda não conhecem «House of Cards», importa guardar um prudente silêncio em relação à possibilidade de tal desenlace. Em todo o caso, refira-se que um dos aspetos mais impressionantes no desenvolvimento de «House of Cards» é o modo como expõe as especificidades da cena política: por um lado, sentimos que essa é uma paisagem com regras internas muitos fortes que, por assim dizer, a devolvem sempre ao seu interior, às suas convulsões e contradições; por outro lado, uma das componentes nucleares dos episódios tem a ver com o poder viral do próprio trabalho político, quer dizer, com a sua capacidade de contaminar qualquer outro domínio de atividade, seja ele institucional ou “apenas” envolvendo as relações mais secretas entre pessoas individuais.

Enfim, registe-se a integração de Molly Parker no elenco de «House of Cards». A sua personagem de Jacqueline Sharp, sucessora de Underwood no Congresso, constitui mais uma enérgica presença feminina na estrutura dramática da série, além do mais lembrando que Parker é uma atriz cuja visibilidade não reflecte o seu imenso talento.