“Mudou mesmo completamente a minha vida”, admitiu à agência Lusa Margarida Fonseca, que começou a ir ao Teatro Viriato para ter aulas de dança contemporânea com bailarinos da Companhia Paulo Ribeiro e assistir a espetáculos, e acabou por ser convidada para assistente de sala.

De regresso a Viseu após ter acabado o curso superior em Coimbra, encontrou no Teatro Viriato o espaço que lhe permitiu dar azo à “vontade de beber cultura”.

Antes de ser assistente de sala, ainda dinamizou o café que existia no ‘foyer’, aberto mesmo durante o dia e onde havia música e livros à disposição.

“Tenho tantas saudades dessa altura do ‘foyer’”, admitiu Margarida, lamentando que este conceito de café não tenha vingado, talvez porque “as pessoas não estavam habituadas”.

Também Ana Bento, fundadora da associação cultural Gira Sol Azul e criadora de vários projetos musicais, recordou com saudades o entusiasmo desses tempos, quer pelas aulas que tinha com os bailarinos da companhia, quer pela programação que passou a estar disponível, evitando assim deslocações para Coimbra, Porto ou Lisboa.

“Desde que o teatro abriu portas e que a Companhia Paulo Ribeiro ficou como companhia residente, praticamente todos os dias da semana havia um bailarino que tinha uma turma e eu ia a todas”, contou.

Também a programação era aproveitada ao máximo: “Como era muito nova, apesar de já fazer imensas coisas, tinha um bocadinho mais tempo livre do que agora e tudo o que podia ia ver”.

“Vivíamos num deserto e, de repente, aparece ali um oásis que é real”, frisou Ana Bento, acrescentando que até essa altura “não havia formação na área artística e, de repente, todos os dias havia oportunidade de estar em contacto com profissionais, de experimentar e aprender com eles”.

Até hoje, Margarida e Ana continuam a ter as suas vidas ligadas ao meio artístico.

“Todos nós que bebemos esta vida que o Teatro Viriato nos trouxe e que já tínhamos essa vontade cultural em nós ganhámos mais coragem, mais energia, para seguir o nosso rumo”, considerou Margarida, que trabalha na escola de dança Lugar Presente, sendo responsável pela parte administrativa e professora de yoga e de dança oriental.

Mãe de uma menina de quatro anos e de um menino de sete, Margarida Fonseca é frequentadora habitual dos espetáculos dirigidos ao público infantil - de que é exemplo o “Tatabitato”, de Ana Bento e Bruno Pinto, que integra a programação atual – mas também de muitos outros.

“Ainda no outro dia fomos ver o Manel Cruz (vocalista dos Ornatos Violeta), que eles adoraram. Claro que ter esta ligação desde sempre faz com que eu esteja mais atenta e mais informada”, admitiu.

Quando o Teatro Viriato reabriu, Ana Bento ainda estudava no ensino superior, mas já trabalhava em alguns projetos. Começou por fazer uma oficina para crianças e suas famílias a título individual e, em 2005, foi convidada a desenhar uma oficina idêntica para o serviço educativo do teatro.

“A programação do Viriato, que sempre teve uma componente nas várias áreas, foi extremamente importante para alimentar esse meu desejo de ser profissional”, realçou.

Depois dessa primeira oficina, Ana Bento integrou equipas de vários projetos desenhados pelo Teatro Viriato, mas posteriormente passou a apresentar as próprias criações.

Uma delas foi o “Tangerina”, com coprodução do Teatro Viriato e que se estreou após a pandemia de covid-19. Este espetáculo musical só foi possível concretizar em época de confinamento social por envolver toda a família: Ana Bento e Bruno Pinto e os seus quatro filhos, que atualmente têm entre 12 e 18 anos.

“Assisti a muitos espetáculos de teatro, de dança contemporânea e de orquestras em que eles eram pequeníssimos, inclusivamente alguns ainda de colo, e, a meio do espetáculo, no escuro, dava-lhes de mamar. E eles estavam ali quietinhos a ver”, contou.

Ana Bento tem uma certeza: “A vida é uma sucessão de influências e as pessoas que foram criadas com este privilégio de ter um teatro como o Viriato, que nos alimentou, nos inspirou, agora como pais também damos esse exemplo aos nossos filhos”.

Gabriel Gomes tem 27 anos, começou a frequentar o Teatro Viriato há duas décadas e deixou-se influenciar pela energia de quem por lá passava.

“Tinha vontade de fazer o mesmo do que aquelas pessoas que eu estava a ver”, contou Gabriel, que hoje é encenador, dramaturgo e escritor, depois de ter participado nos projetos Panos e K Cena.

No K Cena, Gabriel Gomes teve funções diferentes. Foi intérprete em 2013, dramaturgo em 2018 e depois assistente de encenação. Este ano, foi convidado para dar formações de escrita e de teatro aos participantes.

Quando ainda estava em Viseu, criou vários “grupos informais” de teatro e mais tarde, quando frequentava a licenciatura em Teatro, em Lisboa, fundou a companhia ArDemente.

“Como tinha sempre esta necessidade de trazer os projetos que criava em Lisboa a Viseu e, mais tarde, tive a necessidade de criar os projetos aqui em Viseu, decidi começar a convidar e a integrar na companhia pessoas que conhecia daqui”, contou.

Henrique Amoedo, que assumiu a direção artística do Teatro Viriato há cerca de dois anos, sublinhou toda a dinâmica que se gerou com a reabertura em 1999 (após 38 anos de inatividade), graças a uma parceria entre a Companhia Paulo Ribeiro, o município de Viseu e o Ministério da Cultura.

“A cidade de Viseu, através do Teatro Viriato ou de coisas que surgiram a partir de iniciativas suas, tem uma atividade cultural muito intensa: diferentes associações, iniciativas, pessoas que trabalham na área da cultura”, muitas das quais começaram nos projetos do teatro, afirmou.

Na sua opinião, hoje “as pessoas da cidade não saberiam viver sem o Teatro Viriato”.

“As pessoas que frequentavam o Teatro Viriato em 1999 hoje têm as suas famílias. Elas voltam para o Teatro Viriato trazendo os seus filhos, ou seja, essa relação continua”, frisou.

Em 2023, estiveram 16.100 pessoas no Teatro Viriato, um número que Henrique Amoedo gostaria que aumentasse 15% este ano, atraindo também os estudantes do ensino superior.