Em cena no palco da Casa das Artes nos dias 25, 26 e 27 de abril, com encenação de João Cardoso, a peça nasceu de uma proposta do diretor artístico da companhia Assédio para que fosse feito um espetáculo no âmbito dos 50 anos do 25 de Abril, sem ser “demasiado elogioso”.

“É normal que numa efeméride se queira celebrar, e há muitas coisas a celebrar, mas há muitas coisas que ficaram por contar. Há muitas coisas que ficaram esquecidas na festa. Os crimes da Guerra Colonial são ainda umas chagas para as quais não queremos olhar. Crimes de guerra de uma dimensão que depois destrói esta ideia que nós temos de que o nosso colonialismo não foi tão mau como outros”, disse aos jornalistas, à margem de um ensaio, o autor do texto, que também integra o elenco.

A personagem que dá título à peça é ficcionada, a partir das figuras do cofundador dos Comandos Marcelino da Mata e do agente da Direção-Geral de Segurança em Moçambique Chico Cachavi, envolvido no massacre de Wiriamu, em 1972, quando centenas de pessoas foram mortas numa operação portuguesa.

“Esta história sobre este Aristides Inhassoro é uma história sobre esses massacres, é ficcionada e a ideia original era explorar o que é ser-se um soldado negro a lutar na Guerra Colonial portuguesa, ao lado do colonizador. A sua situação será sempre trágica, será sempre muito complexa, porque o que é que significa ganhar a guerra, ou perdê-la? Ganhando, o que é que se perde? Perdendo, o que é que se ganha?”, questionou Pedro Galiza.

Filho de pai nascido na então Lourenço Marques (hoje Maputo) e de mãe nascida na Beira, Pedro Galiza diz “sempre ter ouvido muitas histórias sobre a Guerra Colonial”, em particular por o pai ter sido Comando.

“A Guerra Colonial continua a ser uma ferida bastante mal resolvida na sociedade portuguesa. Sabemos que existe, sabemos o que aconteceu, falamos pouco, falamos com medo, falamos com pinças, falamos com alguns complexos, alguns justificados outros nem por isso, acho eu. E acho que neste momento, a celebrarmos 50 anos do 25 de Abril, é um excelente momento para se voltar a falar da Guerra Colonial”, afirmou o ator e dramaturgo.

A peça é composta por vários episódios entre as diversas personagens: “Desenvolvemos um dispositivo em que é um conjunto de atores a contar a história que o Pedro escreveu. É uma coisa um bocadinho descarnada, crua, como também é aquilo que [nós vamos] dizendo. No primeiro ato temos um contexto social que eventualmente se poderá passar, depois, no segundo ato é a descrição do massacre e, numa espécie de terceiro ato ou epílogo, são as feridas que ficaram depois dos acontecimentos”, contou João Cardoso.

Pedro Galiza sublinhou que não se trata de “teatro documental, nem de longe nem de perto”, uma vez que todas as personagens são ficcionadas, havendo, isso sim, muito material proveniente do que ouviu ao longo da vida, embora nunca tenha viajado até Moçambique.

“Acho que a Guerra Colonial pode ser o mote de histórias muito interessantes para nós percebermos onde é que estamos. De que é que já se falou, de que é que não se falou, de que é que nunca se vai falar”, disse Galiza.

A peça é uma produção da Assédio, com coprodução da Casa das Artes de Famalicão e do Teatro Municipal São Luiz, de Lisboa, onde vai chegar no próximo ano.

A interpretação é de Daniel Silva, Daniel Martinho, Catarina Gomes, Inês Afonso Cardoso, Maria Inês Peixoto, Pedro Galiza, Pedro Mendonça, Pedro Quiroga Cardoso, Susana Madeira, João Cardoso e Gracinda Nave.