“The Sleeping Thousand” é uma sátira, uma efabulação sobre a situação de Israel e dos territórios ocupados da Palestina, que se inscreve no lote de obras com as quais o compositor israelita Adam Maor procura traduzir um “ponto de vista sobre o contexto cultural e político” em que cresceu, como escreve no seu próprio ‘site’.

A ópera fala de milhares de prisioneiros palestinianos, detidos sem julgamento, que entram em greve de fome. À medida que a situação se deteriora e a pressão internacional aumenta, o Estado de Israel – representado na ópera pelo seu primeiro-ministro (sem nome), pela sua secretária, Nurit, e pelo chefe dos serviços secretos – decide anestesiar os detidos (os milhares adormecidos do título), mantendo-os num dormitório de alta segurança, na sede do Governo.

A aparente solução, no entanto, tem efeitos secundários. E conforme os palestinianos dormem, os israelitas passam a ter o sono cada vez mais perturbado, ameaçados por insónias e um pesadelo coletivo recorrente, no qual se veem devorados por árabes.

Os serviços secretos descobrem então que os prisioneiros palestinianos têm sonhos lúcidos, mantêm a consciência durante o sono, desenvolvem enredos, solucionam situações e a capacidade de comunicar entre si.

A situação estende-se durante anos até ao momento em que, numa tentativa de controlo, os israelitas colocam a assistente Nurit entre os prisioneiros, como espia. Revela-se então a evidência: o pesadelo tem origem nos temores dos próprios israelitas, não nos palestinianos, que, nos seus sonhos lúcidos, acabam por fundar uma pátria independente do espaço e do tempo.

Concebida no âmbito da Rede Europeia de Academias de Ópera (ENOA, na sigla inglesa), que envolve a Fundação Gulbenkian, entre outras 12 salas europeias de concerto, a ópera “The Sleeping Thousand” foi estreada em julho passado no Festival de Aix-en-Provence, em França, e tem libreto do dramaturgo e encenador israelita Yonatan Levy.

Adam Maor garante que não pretende “fazer militância” com a sua arte, embora a política seja "uma parte importante" da sua vida e, como compositor, tenha a preocupação de “definir uma linguagem pessoal” que transmita o seu “ponto de vista sobre o contexto cultural e político” em que cresceu, “no atual [território] Israel-Palestina”, como escreve no seu ‘site’.

“Faço isso através [da música] contemporânea ocidental, (...) na qual incluí, progressivamente, elementos da tradição musical árabe, que também representa parte da minha herança e que constitui uma fonte contínua de investigação”, prossegue o compositor.

Maor recorda várias obras inspiradas "em acontecimentos atuais e na história recente do Médio Oriente”. É o caso de “Occupy Haifa”, em que procura reconstruir a paisagem sonora de um protesto, congregando sons reais com o tecido instrumental, ou de “Beirute 15-07-2006”, “um estudo doloroso sobre a guerra”, que também é “uma homenagem” ao músico libanês Mazen Kerbaj. A poesia do israelita Itzhak Laor, autor de “Os mitos do sionismo liberal”, também sustenta algumas das obras de Maor.

“The Sleeping Thousand” é, segundo o compositor, uma ópera política em que aborda “a questão da liberdade”. Maor não tem a certeza de a poder apresentar num palco israelita, na atualidade, tendo em conta “a pressão do governo sobre os artistas”.

Nascido em Haifa, em 1983, Maor iniciou os estudos musicais no conservatório local, e a formação em composição com Eitan Steinberg, antigo discípulo de Luciano Berio, Peter Maxwell Davis e Franco Donatoni.

Em 2002, aos 19 anos, depois de se recusar a cumprir o serviço militar obrigatório no seu país, por considerar “imoral a ocupação da Palestina”, Maor foi condenado a dois anos de prisão. Libertado em 2004, prosseguiu a formação no Conservatório de Música de Genebra e no Instituto de Investigação e Coordenação Acústica/Música (IRCAM), em Paris.

A conceção de “The Sleeping Thousand” remonta a 2016, quando o Festival de Helsínquia desafiou compositores a escreverem sobre o mito de Orfeu.

Adam Maor e Yonatan Levy iniciaram então o projeto, que levaram a uma residência artística em Snape Maltings, no Reino Unido, no ano seguinte. Em 2018, um primeiro esboço da ópera foi trabalhado no Théâtre de la Ville do Luxemburgo, com os músicos que a interpretam desde então: a maestrina Elena Schwarz, o agrupamento United Instruments of Lucilin, de nove instrumentistas, e os cantores Gan-ya Ben-Gur Akselrod, Benjamin Alunni, Tomasz Kumiega e David Fry, que vão estar em Lisboa, na quinta-feira.

Depois de Aix-en-Provence, “The Sleeping Thousand” foi apresentada no Luxemburgo, e deverá percorrer a rede ENOA.

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