O segundo julgamento contra o comediante Bill Cosby por uma suposta agressão sexual cometida há 14 anos teve início de abril, desta vez num contexto mais complicado devido ao auge do movimento #MeToo. Esta quinta-feira, 26 de abril, o norte-americano foi considerado culpado e condeado por ter drogado e abusado da ex-funcionária da Universidade Temple Andrea Constand na sua casa na Filadélfia em 2004.

A sentença, que poderá ir dos 10 anos de prisão mais uma multa de 25 mil dólares, ainda não foi confirmada. Cosby, de 80 anos, pode passar o resto da sua vida atrás das grades quando o juiz decidir a sua sentença por três crimes de agressão sexual agravada contra Andrea Constand.

Para já, Bill Cosby irá ficar em liberdade até que seja definida a sentença.

O caso, sem evidências físicas, reduziu-se basicamente à palavra de Cosby contra às da vítima, e dependia essencialmente da credibilidade que o júri depositou em Constand, de 45 anos.

Segundo a Associated Press, Bill Cosby insultou os procuradores depois de ser condenado. A agência de notícias avança que o comediante usou "um palavrão para se referir ao procurador distrital Kevin Steele". "Estou farto dele", terá dito.

Ao longo do julgamento, a defesa acusou Constand, de 45 anos, de ser uma "vigarista" que perseguiu um pai solitário e aflito, advogando que  acusou o comediante para conseguir um acordo civil de 3,38 milhões de dólares em 2006.

Já os promotores do condado de Montgomery levaram cinco mulheres, que testemunharam que Cosby era um "violador em série e um predador sexual" que se aproveitava de mulheres muito mais jovens que o admiravam, drogando-as e abusando delas.

O júri do processo era formado por sete homens e cinco mulheres. Dez eram brancos e dois negros, como no primeiro julgamento.

O caso ambém encerra uma série de vitórias para o advogado Tom Mesereau, que ficou conhecido ao conquistar a absolvição de Michael Jackson por abuso sexual de crianças em 2005, mas não conseguiu salvar Cosby.

O ator afro-americano, um pioneiro que quebrou as barreiras raciais na televisão e foi adorado por milhões pelo seu papel de pai amoroso na série de sucesso "The Cosby Show" (1984-1992), permaneceu em silêncio enquanto um membro do júri leu o veredicto.

Uma condenação criminal e a possível prisão são um capítulo final devastador na carreira do gigante da cultura popular norte-americana do século XX, filho de uma empregada doméstica e que se tornou no primeiro ator negro a ganhar um Emmy e a ocupar um papel de protagonista no horário nobre da televisão americana.

No arranque do julgamento, em abril, a ex-jogadora de basquete que hoje mora em Toronto sentou-se no banco das testemunhas e deu o seu depoimento no quinto dia de julgamento em Norristown, na Pensilvânia.

"Por justiça", disse Constand ao ser questionada pelo motivo de estar ali, após confirmar que recebeu 3,38 milhões de dólares de Cosby há 12 anos para encerrar uma ação civil. O ex-ator de 80 anos olhava para Constand e para baixo enquanto esta respondia às perguntas.

Constand esteve no tribunal durante uma hora e quatro minutos antes de abordar a noite em questão, quando foi à casa de Cosby para falar da sua demissão iminente. Contou que o ator lhe ofereceu três comprimidos azuis, aos quais chamou de "seus amigos" para "ajudar a aliviar a dor", e disse que os tomou acreditando ser um remédio natural.

"Confiei nele", disse Constand. Mas quando começou a ver tudo duplicado e a arrastar a fala, Cosby encostou-a no sofá. "Estava muito assustada. Não sabia o que estava a acontecer", contou. "Sabia que algo estava errado e comecei a entrar em pânico".

"Estava sem forças"

Constand disse que quando voltou a si, Cosby estava atrás dela no sofá. "A minha vagina estava a ser penetrada com força", relatou. "Senti que ele estava a tocar nos meus seios. Pegou na minha mão, colocou sobre o seu pénis e masturbou-se com ela".

"Queria que ele parasse. Não tinha forças e não podia lutar contra ele", relatou. "Sentia-me humilhada. Estava em estado de choque", acrescentou.

Constand testemunhou depois de outras cinco mulheres terem assegurado sob juramento que foram drogadas e agredidas por Cosby, homem que admiravam como mentor e que muitas vezes se fazia de amigo das suas famílias para ganhar sua confiança.

Cosby diz que deu a Constand comprimidos de Benadryl para aliviar o seu stress, insiste que a relação foi consensual e acusa-a de mentir para lhe tirar dinheiro.

Cerca de 60 mulheres acusaram publicamente Cosby de as ter drogado com medicamentos para abusar delas ao longo de quatro décadas. A maioria das supostas agressões já prescreveram.

Um primeiro julgamento realizado em junho de 2017 terminou com a anulação do processo porque o júri não chegou a um veredicto unânime, após seis dias de depoimentos e 52 horas de deliberações.

Estas denúncias e o julgamento iniciado por Constand arruinaram a reputação do vencedor de vários Emmys, que de 1984 a 1992 interpretou Cliff Huxtable, um ginecologista e carinhoso pai de família na popular série de televisão "The Cosby Show".

Constand, que é lésbica mas no passado declarou ter tido relações com homens, inicialmente chegou a um acordo com Cosby em 2006, após um processo civil, mas o caso foi reaberto em 2015 quando novas provas foram reveladas.