Se os filmes de
Quentin Tarantino não deixam ninguém indiferente, a personalidade colorida do seu realizador suscita paixões até por quem não lhe elogia particularmente a obra. O cineasta fala constantemente à velocidade da luz e debita doses massivas de referências cinéfilas a cada conversa. O espectáculo de Tarantino começa antes dos próprios filmes, arranca mesmo no discurso do realizador.

Tarantino deixou a escola aos 15 anos para fazer fitas amadoras e tentar a profissão de actor. Devorador de filmes desde tenra idade, o futuro realizador trabalhou num videoclube onde aprofundou ainda mais a sua paixão e o seu conhecimento enciclopédico de cinema, tornando-se o paradigma geracional de um forma de cinefilia, que não foi vista em primeira mão nas salas mas sim nos ecrãs de televisão.

A grande explosão do fenómeno Tarantino deu-se 1992, quando
«Cães Danados» estreou com grande polémica no festival de Sundance. Um filme palavroso, narrativamente endiabrado, carregado de referências à cultura pop e, principalmente, muito violento, algo pouco habitual no cinema independente da época. A obra tornou-se um êxito de culto e o realizador estava lançado.

Tarantino, que escreveu sempre os próprios argumentos, começou a assinar também guiões para outros realizadores, com bons e maus resultados:
«Amor à Queima-Roupa», por
Tony Scott, foi para ele um triunfo, mas
«Assassinos Natos» mereceu-lhe severas críticas à abordagem de
Oliver Stone.

O mito Tarantino implementou-se a sério com o seu segundo filme como realizador:
«Pulp Fiction» (1994) ganha a Palma de Ouro em Cannes, o Óscar de Melhor Argumento Original e faz mais de 100 milhões de dólares nas bilheteiras dos EUA, comprovando que o cinema independente também podia atingir o estatuto de «blockbuster».

A partir daí, o percurso do realizador tem sido constante nas suas referências aos sub-géneros cinematográficos dos anos 70, sempre com argumentos elaborados e narrativas cronologicamente desalinhadas, recuperando por vezes estrelas de outrora que o cinema esquecera. A blaxploitation foi reinventada com
«Jackie Brown» (1997), adaptado do romance «Rum Punch», de Elmore Leonard, o filme de artes marciais foi homenageado no díptico
«Kill Bill» (2003 e 2004), as sessões duplas dos filmes de série Z foram referenciadas com o projecto
«Grindhouse» (2007), em parceria com
Robert Rodriguez, e o filme de guerra de sabor europeu foi recriado com muitas nuances e alguma reflexão sociológica em «
Sacanas sem Lei».

Sempre com múltiplas referências à cultura cinematográfica, Tarantino mantém um equilíbrio invulgar entre a imagem do «geek» que faz os filmes que gostaria de ver e o apreço da mais exigente crítica europeia, que o considera um autor com uma obra de múltiplos significados e níveis de leitura.