O filme "The Waldheim Waltz", sobre um antigo secretário-geral da ONU que escondeu o passado durante o regime nazi, abre na quinta-feira o DocLisboa, o festival dedicado ao documentário que quer continuar a ser "pertinente e relevante internacionalmente".

Candidato da Áustria a uma nomeação para os Óscares e estreado este ano no festival de Berlim, "The Waldheim Waltz", de Ruth Beckermann, recorda como Kurt Waldheim foi eleito para a presidência austríaca, em 1986, com o eleitorado em negação em relação ao passado nazi.

Ruth Beckermann, que estará em Lisboa para apresentar o filme na Culturgest, usou apenas imagens de arquivo dos anos 1970 e 1980, algumas das quais captadas por ela mesma, para apresentar um documentário com ecos na atualidade política austríaca.

"The Waldheim Waltz" é uma das escolhas da direção do DocLisboa para cumprir um dos objetivos do festival: continuar a ser "pertinente e relevante internacionalmente", como afirmou uma das diretoras, Cíntia Gil, no início do mês num encontro com jornalistas.

"Chegámos a uma competição internacional feita apenas com estreias mundiais e internacionais. E em todo o festival temos 68 estreias mundiais e 22 estreias internacionais. Significa que 68 equipas de filmes reconheceram o DocLisboa como o local onde será pertinente mostrar os seus filmes pela primeira vez", disse Cíntia Gil.

Polémicas com embaixadas antes do festival arrancar

Da competição internacional fazem parte, entre outros, "Goodnight & Goodbye", de Yao-Tung Wu, "From the land", de Ramona Badescu e Jeff Silva, "Antecâmara", de Jorge Cramez, e "Their own republic", de Aliona Polunina e que causou polémica entre o festival e a embaixada da Ucrânia.

Na semana passada, a direção do DocLisboa revelou à Lusa que sofreu pressões por parte das embaixadas da Ucrânia e da Turquia por causa da programação deste ano. A embaixada da Ucrânia em Portugal queria que retirassem o filme de Aliona Polunina, alegando que "dá voz a uma organização terrorista".

Já a embaixada da Turquia pediu que retirassem das sinopses de dois filmes ("Yol: The Full Version" e "Armenia, Cradle of Humanity") as expressões "aniquilação do povo curdo" e, referindo-se à Arménia, "local de um dos genocídios mais violentos do século passado".

"O DocLisboa não é um festival neutro, temos uma posição política e não aceitamos interferências. É a primeira vez que me lembro de este tipo de situações acontecer. Fazemos um aviso e não uma denúncia, e convidamos os responsáveis a participarem nos debates, no final de cada filme", disse Cíntia Gil à agência Lusa.

Além da relevância e pertinência internacional, a direção do DocLisboa disse ter cumprido, à 16.ª edição, outro objetivo: "Continuar a ser um local de referência para apresentação de filmes portugueses. Temos 59 filmes portugueses a estrearem. Um festival só tem pertinência quando o meio do qual nasce e no qual se insere o reconhece".

Da produção nacional selecionada fazem parte, entre outros, "Casa Encantada", de Júlio Alves, "Extinção", de Salomé Lamas, "Avenida Almirante Reis em 3 andamentos", de Renata Sancho, "A (im)permanência do gesto", de Manuel Botelho, "Terra Franca", de Leonor Teles, e dois filmes de Jorge Cramez - "Antecâmara" - que integra a competição internacional - e "Actos de Cinema".

Da restante programação, destaque, por exemplo, para "Fahrenheit 11/9", de Michael Moore, sobre a administração de Donald Trump, "O plano", de Steve Sprung, sobre trabalho, e "The silence of others", olhar de Almudena Carracedo e Robert Bahar sobre vítimas do franquismo, em Espanha.

Da programação, destaque ainda para a retrospetiva, em parceria com a Cinemateca, dedicada ao realizador colombiano Luis Ospina, que estará em Lisboa para mostrar uma obra praticamente desconhecida em Portugal.

Na secção "Heart Beat" foram incluídos "Friedkin Uncut", filme de Francesco Zippel sobre o realizador de "O exorcista", mas também documentários sobre os Depeche Mode, sobre a editora Blue Note ou sobre Rostropovich, e ainda uma homenagem a Aretha Franklin com "The blues brothers", de John Landis.

O DocLisboa volta a ocupar os espaços da Culturgest, cinema São Jorge, Cinemateca e Cinema Ideal.

O encerramento do festival, no dia 28, ficará por conta de "Infinite Football", de Corneliu Porumboiu.

Nesta edição, o DocLisboa procura ser mais inclusivo, com uma sessão de audiodescrição para cegos e pessoas com deficiência visual, no dia 19 com o filme "Shut up and play the piano", de Philipp Jedicke.

Terminado o DocLisboa, a associação Apordoc, que o organiza, estenderá várias atividades ao longo do ano, nomeadamente com divulgação de cinema documental em bibliotecas públicas e a exibição comercial de alguns filmes em Lisboa e no Porto.