"O Quadrado" aterrou na Croisette em “tempo de compensação”: o muito metódico realizador Ruben Östlund levou uns consideráveis cinco meses para editá-lo e fez alterações até pouco antes do evento. Antes já lá iam 70 dias de filmagens – apenas um “take” por dia.

“Foi muito estressante”, revelou após ganhar a Palma de Ouro.

“Queria muito concorrer, queria muito ganhar. Quem diz que não se importa com prémios está a mentir!”, acrescentou o realizador, que já causara choque com "Força Maior", vencedor da secção "Un Certain Regard" de Cannes em 2014.

E do que trata uma obra com este estranho nome? A “story line” não é relevante: os desenlaces do quotidiano do diretor de um museu de arte contemporânea de Estocolmo (vivido por Bang Claes) estão ao serviço de uma ideia. Ou, se se preferir, várias delas – onde um mosaico reúne pequenos acontecimentos que estão sistematicamente a testar os limites da indiferença do Grande Museu Burguês em que se transformou a sociedade europeia e, por extensão, o espectador.

A existir um grande tema a englobar tudo seria o dos publicitários do filme: “Até que ponto vai a sua indiferença?”.

Uma vítima corriqueira das sátiras pelo mundo fora é o universo das artes – principalmente o das instalações contemporâneas que tanta causam perplexidade na “audiência comum”, mais à vontade com as velhas formas do século XIX e daí para trás. O cineasta, que já expôs no mesmo circuito que critica, diz: “Visitei museus de arte em várias cidades e todos se parecem iguais. Perderam completamente a conexão com o mundo em que vivemos”.

Esse vazio transferiu o verdadeiro poder de choque para o “marketing” – ou não estivessem as duas áreas, desde sempre, andado em simbiose. Em "O Quadrado", o tema eclode de forma literalmente explosiva depois de uma equipa de promoção fazer um vídeo para a instituição – sempre segundo cálculos “científicos” para torná-lo viral no YouTube.

Como toda a proposta totalizante que se propõe fazer o “retrato de uma época”, o realizador corre os seus ricos mas têm menos hipótese de ser considerado pretensioso do que Paolo Sorrentino.

A comparação não é vã: em alguns momentos o filme lembra uma versão "cómico-trash" de “A Grande Beleza”, com os planos fixos a substituir as gruas do italiano. Enquanto esse preferia a poesia, o sueco opta por destroçar todos os “statements”, os momentos de pretensão ou que cheirem a solenidade, com ruídos sonoros e interrupções bizarras. Os longos planos fixos servem para isso: dar ênfase ao discurso para depois sabotá-lo.

Já o velho surrealismo como forma de provocação é retirado das gavetas “buñuelianas” para chocar, incomodar, debochar. Num encontro romântico, marcado pela apatia sexual e pelo egocentrismo masculino, um chimpanzé passeia-se pelo local; observa desenhos, pinta os lábios. E, claro, há aquele momento pelo qual "O Quadrado" será sempre lembrado se o resto for esquecido: o ser “primitivo” (Terry Notary) que irrompe para aterrorizar a fina nata da elite sueca num jantar. E de onde surgiu tal criatura (e o seu ator)? Do YouTube, claro!

Muito mais cabe dentro deste "quadrado" do que o descrito neste artigo: cabe ao espectador escolher o caminho da Confiança e testar os seus limites.

Trailer.