"O Caso de Richard Jewell", o filme de Clint Eastwood que chega a Portugal a 2 de janeiro, retrata o caso do segurança que mandou evacuar as pessoas do Centennial Olympic Park após descobrir um pacote suspeito que afinal era uma bomba durante os Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996. Elevado ao estatuto de herói americano, viu a vida virada de pernas para o ar quando se tornou um possível suspeito.

Falsamente acusado pela comunicação social e acossado pelas autoridades, tornou-se um pária e apesar do FBI o ter ilibado três meses mais tarde, nunca mais recuperou completamente a reputação ou a confiança em si mesmo.

No centro da propagação da falsa acusação estiveram o Atlanta Constitution-Journal (AJC) e Kathy Scruggs: a jornalista faleceu em 2001, mas nas últimas semanas o jornal acusou o filme de fazer "invenções maliciosas" ao deixar a forte sugestão de que Scruggs (interpretada por Olivia Wilde) mantinha um comportamento pouco ético e as pistas que conseguiu foi graças a um envolvimento sexual com um agente do FBI (papel de Jon Hamm).

"Não existem provas de que isso alguma vez tenha acontecido e se o filme mostra isto é ofensivo e profundamente perturbador na era do #MeToo", escreveu Kevin Riley, o editor-chefe do jornal de Atlanta após conhecer as reações ao visionamento para os críticos de cinema.

Nas últimas semanas, o AJC tem vindo a aumentar a pressão sobre o estúdio e na segunda-feira ameaçou o estúdio Warner Bros. e Clint Eastwood com um processo de difamação se não reconhecessem publicamente que recorreram as liberdades dramáticas e artísticas com a história e adicionassem um proeminente aviso no filme, que entretanto se tornou um forte candidato na temporada de prémios.

Por sua vez, os jornalistas e escritores David Rothkopf e Mark Joseph Stern apelaram a um boicote: "Por favor, não paguem para ver filmes que apresentam jornalistas fictícias que dormem com as suas fontes por uma história. É flagrantemente sexista, humilhante e ofensivo e nesta fase não vejo mais nenhuma resposta apropriada que não seja um boicote sem contemplações. É 2019. Há anos que pessoas inteligentes e sérias condenam esse tipo de coisas ofensivas em voz alta e consistente. Explicaram de maneira persuasiva porque é que isto é abominável. Por favor, não recompensem Clint Eastwood por implementá-lo. Não paguem para ver 'Richard Jewell'".

Ainda na segunda-feira, a Warner Bros. reagiu à ameaça do jornal com um comunicado em que salienta que o filme se baseia "numa ampla variedade de materiais de origem altamente credível" e que o filme já tem um aviso sobre as liberdades artísticas com a história.

O estúdio deixa a seguir uma crítica brutal: "Não há dúvida de que Richard Jewell era um homem inocente cuja reputação e vida foram destruídas por um erro judiciário. É lamentável e a derradeira ironia que o Atlanta Journal Constitution, tendo participado na corrida precipitada para julgar Richard Jewell, agora esteja a tentar prejudicar os nossos cineastas e atores. 'O Caso de Richard Jewell' foca-se na verdadeira vítima, procura contar a sua história, confirmar a sua inocência e restaurar a sua reputação. As reivindicações do AJC são infundadas e iremos defender-nos vigorosamente contra elas".

Antes, Olivia Wilde já criticara o que considerou ser um duplo padrão de sexismo em relação à sua personagem.

"Ela foi incrivelmente bem-sucedida como jornalista policial. Ela tinha uma relação muita próximo com a polícia e o FBI, ajudando a contar a história deles, e sim, segundo todos os relatos, teve relacionamentos com pessoas diferentes nessa área. Mas o que me deixou ressentida foi que esta personagem está a ser resumida a essa cena e não vejo ninguém a queixar-se da personagem do Jon Hamm como sendo sugerido que ele também teve um relacionamento com uma jornalista. Acho injusto que a Kathy [Scruggs] tenha sido minimizada dessa maneira", declarou ao Deadline a 3 de dezembro.

"Se há algo um pouco questionável sobre uma personagem feminina, costumamos usá-lo para condenar essa personagem ou para condenar o filme por permitir que uma mulher seja de alguma maneira impura. É um mal-entendido do feminismo supor que todas as mulheres não podem ter sexualidade. Não gosto que a personagem seja reduzida até esse ponto", acrescentou a também realizadora de ""Booksmart", um dos filmes (feministas) mais elogiados de 2019.

VEJA O TRAILER DE "O CASO DE RICHARD JEWELL".