Foram nada menos que seis os filmes de animação portugueses apresentados em estreia mundial na sessão de encerramento da
Monstra - Festival de Animação de Lisboa, ocorrida na noite de 14 de Março, todos eles muito aplaudidos e que comprovam como o cinema animado nacional está de muitíssimo boa saúde.

Já exibido na abertura do certame, mas repetido no encerramento foi
«28», do veterano
José Manuel Xavier, homenagem em desenho animado a
Fernando Pessoa, graficamente fortíssima e muito original, com traços que ganham vida e forma e multiplicam referências à figura e obra pessoana. O 28 do título refere-se à célebre carreira do eléctrico que percorre as ruas de Alfama até ao Castelo. Na sessão de abertura foi exibida uma versão sem som seguida de outra com música de António Sousa Dias: Já na de encerramento exibiu-se apenas a versão musicada, porém, a força das e energia das imagens recusa de alguma forma a melodia composta para efeito.

Da Animanostra vieram duas propostas pouco habituais no seu catálogo de filmes, ambas com argumento de
João Paulo Cotrim. Uma delas é
«Um Degrau pode Ser o Mundo», que adapta a «A Engomadeira», de
Almada Negreiros, com o traço de
Daniel Lima a trazer à vida o imaginário português da época, em sucessão de imagens plasticamente fortes embora nem sempre com todo o movimento desejável.

O outro é
«Diário de Uma Inspectora do Livro de Recordes», realizado por
Tiago Albuquerque com argumento de Cotrim, um relato muito divertido do dia a dia de uma inspectora do «guiness book», que aproveita a imagética da animação de silhuetas para concretizar um relato muito divertido do que seria o dia a dia de uma inspectora do «Guinness Book», confrontada com os mais mirabolantes recordes.

«Mi Vida en tus Manos» apresenta uma nova faceta do multifacetado
Nuno Beato, num filme cativante e narrativamente sólido, que simula a pintura no vidro e aborda a faena e a relação de um toureiro com o touro que vai matar e também com o seu próprio filho, que acaba por ter uma relação simbiótica com o animal.

«Smolick», de
Cristiano Mourato, foi o vencedor da competição de estudantes, e representa mais uma vitória no currículo deste jovem animador que, ainda estudante, é já porventura o mais promissor talento da novíssima geração de animadores nacionais. Ao som da música de Fernando Mota, seguimos as imagens de duas personagens em confronto, com um traço de movimento muito expressivo e uma noção exacta das potencialidades da animação.

Mas o filme mais aguardado da noite, claro, foi
«O Passeio de Domingo», de
José Miguel Ribeiro, regresso do autor de
«A Suspeita», aos filmes de grande envergadura, após a deliciosa série «As Coisas lá de Casa» e o pequeno filme de homenagem a Carlos Parede «Abraço do Vento». Desta feita, as personagens são muito mais estilizadas e imaginativas (o filho da família, por exemplo, tem uma fenda na cabeça por onde saem os desenhos da sua imaginação) e a ambição é bem maior.

A acção saiu do ambiente confinado do vagão de «A Suspeita» para seguir a toda a velocidade por ruas e ruelas, montes e escarpas, no passeio domingueiro de uma família muito portuguesa. Porém, entre discussões sobre futebol e música pimba, há uma brecha que ameaça estalar na célula familiar.

Perdendo em contenção narrativa o que ganha em ambição e, no final, em ternura e significado, «Passeio de Domingo» volta a colocar José Miguel Ribeiro na «pole position» da animação nacional. Veremos se esta história de características tão portuguesas tem universalidade suficiente para também vencer além fronteiras.