Kevin Spacey construiu uma grande carreira dando vida a anti-heróis enigmáticos, perigosos e carismáticos, mas acabou sendo marginalizado por Hollywood devido às várias acusações de agressão sexual contra diferentes homens, das quais sempre foi absolvido.

Uma nova vitória judicial anunciaria o seu regresso ao ecrã? Após um mês em julgamento em Londres, na quarta-feira, dia em que completava 64 anos, o ator foi considerado inocente de agredir sexualmente quatro homens no Reino Unido.

Duas vezes vencedor do Óscar, o ator começou no teatro e depois foi para o cinema, onde fez sucesso com os 'blockbusters' "Beleza Americana" (1999), "Seven: Sete Pecados Mortais" (1995) e "Super-Homem: O Regresso".

Mas desde 2017, Spacey quase não é visto fora dos tribunais. Ele foi uma das primeiras celebridades expostas pelo movimento global #MeToo, acusado de assédio sexual por vários jovens - alegações que ele sempre negou.

"Nem pensar!", disse o executivo de um grande estúdio à Los Angeles Magazine sobre a possibilidade de o escolherem para um dos seus projetos depois da absolvição em Londres.

A revista diz que este é o sentimento dominante entre os profissionais da indústria que foram contactados e falaram sob anonimato.

"Acho que ele vai continuar a trabalhar no estrangeiro nas margens do sistema dos estúdios, mas não consigo imaginá-lo num filme da Marvel nos próximos tempos", disse um gestor de talentos veterano.

"Beleza Americana"

Kevin Spacey Fowler nasceu em 1959, no estado americano de Nova Jérsia. Cresceu na Califórnia, onde estudou durante pouco tempo numa escola militar, da qual foi expulso.

Nos tribunais, o ator falou sobre uma infância difícil, com um pai que descreveu como um "supremacista branco" e "neonazi", que desprezava os 'gays' e não valorizava o interesse do seu filho no teatro.

Apesar disso, em 1979, Spacey matriculou-se em Juilliard, a prestigiada escola de arte de Nova Iorque.

O seu maior sucesso nos primeiros anos de teatro viria em 1986, em "Longa Jornada Para a Noite", peça na qual contracenava com Jack Lemmon.

O seu primeiro papel num filme foi em "A Difícil Arte de Amar", no mesmo ano, protagonizado por Meryl Streep e Jack Nicholson.

Na televisão, os seus primeiros passos foram aclamados ao dar vida a um jovem chefe do crime paranoico, psicótico e incestuoso na série "Wiseguy" (1987-1990).

Em 1995, interpretou o assassino em série de "Seven - Sete Pecados Mortais" e com "Os Suspeitos do Costume" ganhou o Óscar de Melhor Ator Secundário.

Mas a consagração chegou em 1999 com "Beleza Americana", em que encarnava um pai de meia idade que ficava obcecado por uma adolescente. Ganhou o seu segundo Óscar, desta vez de Melhor Ator, com esta produção que recebeu cinco prémios da Academia, incluindo o de Melhor Filme.

Dos palcos à Netflix

"House of Cards"

Nos anos seguintes, Spacey colecionou reações mistas ao inclinar-se para papéis mais leves.

Em 2003, anunciou que assumiria a direção artística do teatro Old Vic de Londres. A sua gestão de 10 anos no histórico teatro foi amplamente elogiada.

Protagonizou e atraiu atores e diretores para produções diversas e ousadas, encantando com "Ricardo III" de Shakespeare e colocando em cena clássicos americanos de Eugene O'Neill, Arthur Miller e Tennessee Williams.

Nessa época, também foi aplaudido no cinema como o nefasto vilão Lex Luthor em "Super-Homem: O Regresso".

Em 2013, contribuiu com a revolução do streaming em Hollywood ao protagonizar a primeira grande série original da Netflix, "House of Cards", onde interpretava um congressista ambicioso e sem escrúpulos que chegava à Casa Branca.

A série tornou-se um fenómeno cultural. Foi a primeira exclusivamente 'online' nomeada e vencedora de um Emmy, os "Óscares" do pequeno ecrã.

#MeToo

Kevin Spacey à saída do tribunal em Londres na quarta-feira

Mas o império de Spacey começou a ruir em outubro de 2017.

Apenas três semanas depois das acusações contra o produtor Harvey Weinstein virem a público, a estrela apanhou com o impacto do movimento #MeToo.

O ator Anthony Rapp foi o primeiro a acusá-lo, afirmando que o agredira sexualmente aos 14 anos durante uma festa em Nova Iorque em 1986.

Spacey rapidamente pediu desculpa, mas foi criticado por tentar desviar a atenção da notícia confirmando finalmente que era homossexual, um segredo aberto durante anos em Hollywood.

Em menos de um mês, avolumaram-se acusações de agressão sexual por vários homens nos EUA e no Reino Unido. Foi então despedido de "House of Cards" pela Netflix e removido à última hora do filme "Todo o Dinheiro do Mundo", de Ricley Scott (2017).

Em 2019, as acusações de agressão sexual contra o ator em Massachusetts foram retiradas. E em outubro de 2022, um tribunal de Nova Iorque rejeitou o processo de 40 milhões de dólares de Rapp por má conduta sexual.

Em outubro de 2020, foi condenado a pagar quase 31 milhões de dólares à MRC, produtora de "House of Cards", como compensação pela perda de receita atribuída à sua saída da série. Um juiz de Los Angeles confirmou essa compensação em agosto passado.

Numa primeiro entrevista após os escândalos, a meio de junho deste ano, Spacey mostrou-se aparentemente sem receio do julgamento em Londres.

"No momento em que se aplica o escrutínio, essas coisas desmoronam. Foi o que aconteceu no julgamento de Rapp e é o que acontecerá neste caso", disse à revista alemã ZEIT numa entrevista também disponível na versão em inglês.

Menos confiante estava na reabilitação da reputação: trata-se de uma batalha perdida, pelo menos no que se refere à sua imagem na comunicação social.

O que é importante é o que lhe disseram realizadores e produtores: "Queremos trabalhar contigo, mas não podemos".

"É um momento em que imensas pessoas têm muito medo de serem canceladas se me apoiarem. Mas sei que existem pessoas neste momento que estão prontas para me contratar assim que for absolvido destas acusações em Londres. No momento em que isso acontecer, estão prontas para avançar", dizia.

A entrevista revelava que começara a escrever peças, curtas e argumentos, mas não sobre sobre esta fase da sua vida: "Não estou a tentar acertar contas. Não tenho interesse em lutar contra uma coisa que não vale a pena".

E a entrevista concluía com uma certeza: "Dentro de dez anos, isto não vai significar nada. O meu trabalho irá viver mais do que eu e é isso que será recordado".