"Muita gente acompanhou esta história e tirou conclusões sem conhecer bem os detalhes. E pareceu-nos que o intenso escrutínio das câmaras levou à perda de objetividade em relação aos acontecimentos e factos que envolveram o caso", conta Rod Blackhurst, um dos realizadores de "Amanda Knox", numa entrevista ao SAPO MAG durante um encontro da Netflix com a imprensa em Londres, recordando o que o motivou a criar um documentário ao lado de Brian McGinn.

A história em questão é a da saga mediática que se seguiu à morte de Meredith Kercher, estudante inglesa vítima de homicídio, esfaqueamento e violação durante a estadia em Perugia, em Itália, em 2007. Nos anos que se seguiram, a colega de apartamento da jovem de 21 anos, a norte-americana Amanda Knox, acabou por se impor desde cedo como o rosto mais visível e principal suspeita do crime, tendo sido duas vezes acusada e duas vezes absolvida.

O caso, um dos mais rocambolescos a dominar as manchetes (sobretudo italianas e britânicas) neste milénio, continua a dividir opiniões e a instigar teorias, motivo que levou a dupla de realizadores a tentar fazer a sua própria revisitação do processo, falando diretamente com os principais envolvidos... mas sem prometer respostas nem se limitar a mais um apontar de dedo.

"Enquanto realizadores, não nos interessámos em tirar grandes conclusões, deixámos isso para os juízes e tribunais", esclarece Blackhurst, norte-americano com vasta experiência na realização e produção de documentários, caso do também recente "Here Alone" (premiado no Festival de Tribeca).

"Na nossa cultura, estas histórias de crimes reais fascinam-nos e fazem-nos muitas vezes tomar logo partido de um dos lados, de forma impulsiva e quase detetivesca, mas também nos reduzem a pensamento esquemático, típico de rede social", acrescenta McGinn, californiano que tem no currículo documentários como "Chef's Table", a elogiada série gastronómica da Netflix.

Saber ouvir

Mais do que sugerir vereditos, a dupla quis sobretudo dar espaço a alguns dos principais intervenientes do processo jurídico, ou pelo menos aos que aceitaram falar. "Toda a gente envolvida nesta história pensou tanto no caso e tinha tanto para dizer que para nós o mais importante foi escutá-las", realça o realizador e produtor. "Quisemos olhar para os envolvidos como pessoas a sério e não apenas como um conjunto de tiques comportamentais, um conceito ou uma manchete", sublinha.

Entre os depoimentos contam-se os da própria Amanda Knox, que se dirige aos espectadores (falando de frente  para a câmara) em várias ocasiões e com vários estados de alma, do riso ao choro. E sempre com um à vontade que se arrisca a ser desconcertante para muitos, como o foram outras das suas aparições ao longo dos últimos nove anos. Mais contido, o seu namorado da época do crime, Rafaelle Sollecito, também participa, assim como o procurador italiano Giuliano Mignini e o jornalista britânico Nick Pisa, que acompanhou o caso no Daily Mail e surge como rosto da imprensa tablóide que os realizadores não deixam de retratar com ironia.

"O maior desafio de um documentarista é conquistar os envolvidos, fazê-los falar. E aqui isso não só aconteceu como eles sentiram que conseguimos traduzir o seu ponto de vista, que o que nos disseram não foi distorcido nem se perdeu pelo caminho. O que para nós foi gratificante, porque era esse o nosso objetivo", diz McGinn, realçando que entre os primeiros contactos e o resultado final decorreram cinco anos "com muita paciência e alguma insistência". "No fundo, fomos uma espécie de intermediários entre eles e o público", resume. Os espectadores que não se deixarem assustar com a incerteza - aceitando que a dúvida se instale e tenda a perdurar - são capazes de agradecer o empenho.

O SAPO MAG viajou a convite da Netflix.