O apresentador e escritor Bernard Pivot, que pôs milhões de franceses a ler graças aos seus programas de televisão, morreu esta segunda-feira aos 89 anos, anunciou à France-Presse (AFP) a sua filha Cécile Pivot.

Durante décadas, os escritores mais conhecidos do mundo desfilaram pelos seus programas “Apostrophes” e “Bouillon de Culture”, de Vladimir Nabokov a Gabriel García Márquez, e futuras promessas da literatura.

Com tom afável mas incisivo, com os óculos de leitura sempre à mão e rodeado de livros cuidadosamente anotados, Pivot protagonizou alguns momentos lendários da televisão francesa, como quando entrevistou o escritor norte-americano Charles Bukowski, alcoolizado no estúdio.

O primeiro episódio de "Apostrophes" foi transmitido em janeiro de 1975 no France 2, canal da televisão pública francesa.

O programa durou quinze anos, de 1975 a 1990, seguido por milhões de telespectadores. Tornou-se objeto de culto na televisão francesa e, depois, nos canais por satélite emergentes nos anos de 1980. E alguns trechos ainda fazem muito sucesso na internet.

Pivot fazia-o em direto. Rapidamente se tornou um sucesso indiscutível nas noites de sexta-feira. Os autores competiam em humor, havia fumo e álcool, insultos, beijos... O público adorou e as vendas de livros refletiram isso.

Entrevistas a escritores como Alexandre Soljenitsyne, Vladimir Nabokov, Marguerite Duras, Marguerite Yourcenar, Umberto Eco e Jean-Marie Le Clézio, Claude Levi-Strauss, Roland Barthes e Pierre Bourdieu, expoentes das letras e do pensamento na segunda metade do século XX, afirmaram a importância do programa durante quase duas décadas.

O seu âmbito foi alargado a políticos e aos seus gostos, como o Presidente francês François Mitterrand. Em 1987, Pivot ousou entrevistar Lech Walesa clandestinamente na Polónia, desafiando as autoridades pró-soviéticas dessa Varsóvia.

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Bernard Pivot com Henry Kissinger em "Apostrophes", a 15 de outubro de 1979

Pivot ingressou na Academia Goncourt em 2004, tornando-se o seu presidente em 2014, e reformou-se no final de 2019.

Terminado “Apostrophes”, criou “Bouillon de Culture”, sempre na televisão pública, com um alcance mais amplo que o universo do livros, ao cinema e à arte.

Foi outro marco da divulgação cultural, exibido em horário nobre entre 1991 e 2001. Trouxe uma dessas emissões ao Palácio de Fronteira, em Lisboa, em tempo de Expo'98, para a dedicar à cultura portuguesa, para entrevistar a escritora Lídia Jorge, o cineasta Manoel de Oliveira e os seus atores Leonor Silveira e Diogo Dória, sem esquecer o então ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho.

"Bouillon de culture" teve a última emissão em junho de 2001. Seguiu-se então "Double jeu", entre 2002 e 2005, altura em que Pivot se afastou de uma presença regular nos ecrãs.

Nascido em Lyon, Bernard Pivot completou 89 anos no domingo.

Membro da Académie Goncourt desde 2004 e presidente de 2014 a 2019, a sua biografia literária inclui vários ensaios e dois romances, um mais esquecido, publicado em 1959 ("L'Amour en vogue"), e outro em 2012 ("Oui, mais quelle est la question?").

Na segunda-feira, a Academia homenageou aquele que foi o primeiro "não escritor" profissional que cooptou, elogiando a sua "curiosidade insaciável", os "elevados padrões morais", assim como "a sua independência intransigente" em relação às grandes editoras.

Sob a sua presidência, escreve a AFP, citando a Academia Goncourt, os prémios de 2006 ("As Benevolentes", de Jonathan Littell) e de 2010 ("O Mapa e o território", de Michel Houellebecq) ficarão na história.

O Presidente francês Emmanuel Macron lembrou igualmente Bernard Pivot, que definiu como "popular e exigente, querido no coração dos franceses", e que viveu "com o espírito francês da conversa, da curiosidade e da 'gourmandise'."

Entre as obras de Pivot também se encontra um "Dictionnaire amoureux du vin" (2006).

Além do amor pelos livros, era conhecido por ser um apreciador de vinhos e fã de futebol, principalmente do clube AS Saint-Etienne.