Aos poucos, a canção dos porto-riquenhos Luis Fonsi e Daddy Yankee tornou-se, no mês passado, na primeira canção em espanhol a dominar o mercado anglo-saxónico desde "Macarena", em 1996.

Mas o percurso foi longo. Como nasceu o reggaeton e como superou os estereótipos que o marginalizaram desde o início?

A isso responde Petra Rivera-Rideau, professora de Estudos Americanos na Universidade de Wellesley em Massachusetts e autora do livro "Remixing Reggaetón: The Cultural Politics of Race in Puerto Rico".

Como é que o reggaeton evoluiu?

O reggaeton tem uma história longa e complexa. Embora muitas vezes seja associado a Porto Rico, combina influências musicais de toda a bacia das Caraíbas. Duas das suas maiores influências são o hip hop e o dancehall (ritmo jamaicano), que chegou pelo Panamá.

Nos anos 1990, os DJs porto-riquenhos combinaram estes elementos com outras influências para criar uma música underground que circulou informalmente.

O underground era música de festa, mas também dava espaço às críticas políticas e a temas como pobreza, racismo e brutalidade policial.

À medida que o underground se propagou, passou a ser alvo de campanhas de censura em meados dos anos 1990 que, ironicamente, ajudaram a levar o género a novos públicos. Nesta altura começou a ser conhecido como "reggaeton".

Em 2012, Tego Calderón lançou "El Abayarde", o álbum que levou o reggaeton ao mainstream de Porto Rico. Depois, em 2004, Daddy Yankee lançou "Gasolina", que colocou o reggaeton no mapa da música latina.

Por que problemas é que o género passou?

Desde o início o reggaeton teve uma reputação de hipersexualizado, misógino e de estar relacionado com drogas e crime.

Uma campanha de censura decorreu em 1995, quando a polícia confiscou gravações por associações a sexo e drogas; a outra aconteceu em 2002, quando o Senado porto-riquenho realizou audiências para analisar o que percebia como representações hipersexualizadas das mulheres nos videoclips musicais.

Estas campanhas de censura foram motivadas por estas novas expressões sobre o que era ser negro e porto-riquenho. O reggaeton deu aos artistas uma oportunidade de articular as suas ligações com a diáspora africana, especialmente para a juventude negra, e isto ameaçava o dogma de que não existia racismo em Porto Rico, porque mostrou que isso era falso.

As letras são muitas vezes acusadas de misóginas. Como é que o reggaeton responde a isso?

Temos de ser críticos com as representações misóginas do reggaeton. Não obstante, não devemos culpá-lo exclusivamente por isso.

O género não opera no vazio: há problemas maiores de misoginia que devem ser abordados pelas sociedades de Porto Rico, dos Estados Unidos e da América Latina. E também pelas elites, que muitas vezes são deixadas de lado neste tipo de discussão.

Em geral, as elites são as que mais criticam o reggaeton como um género "menor". A que se deve essa perceção?

O reggaeton sempre esteve ligado a comunidades vítimas de estereótipos problemáticos associados a comunidades pobres e não brancas.

Isto é o prolongamento dos antigos estereótipos e da discriminação institucionalizada que desde os tempos da escravidão existiram sobre a raça e a classe em Porto Rico e nas Américas.

Neste contexto de marginalização, como se interpreta o sucesso de "Despacito"?

"Despacito" é complicado. Por um lado, podem vê-lo como "sucesso", porque mostra que o reggaeton nunca desapareceu como os seus críticos asseguravam que aconteceria.

Por outro lado, Luis Fonsi não canta normalmente este tipo de música. O seu trabalho anterior é basicamente pop e baladeiro, géneros que não foram criticados e marginalizados como o reggaeton nem sujeitos a associações estereotipadas com drogas, crime e sexualidade.

Muita gente comentou que Justin Bieber se apropriou do reggaeton para proveito próprio, mas se esse for o caso, pode argumentar-se o mesmo sobre Luis Fonsi.