Era uma das últimas representantes da realeza de Hollywood, para sempre recordada por "Serenata à Chuva": Debbie Reynolds morreu na quarta-feira à tarde em Los Angeles, vítima de uma trombose. Tinha 84 anos.

Trata-se de uma tragédia que torna 2016 ainda mais negro para o mundo do entretenimento: a filha, Carrie Fisher, morrera na terça-feira de manhã, aos 60 anos, na sequência de um ataque cardíaco ocorrido no fim da semana passada num voo entre Londres e Los Angeles.

Debbie Reynolds estava em casa do filho Todd Fisher, em Beverly Hills, a fazer os preparativos para o funeral quando começou a sentir dificuldades respiratórias. Foi conduzida de ambulância ao Cedars Sinai Medical Center por volta das 13h00 (21h00 em Portugal Continental).

Ainda na terça-feira, partilhou uma mensagem no Facebook onde agradecia o apoio dos admiradores.

"Obrigada a todos os que acolheram os dons e talentos da minha amada e espantosa filha. Estou grata pelos vossos pensamentos e orações que agora a estão a conduzir à sua próxima paragem. Com Amor, a mãe de Carrie.

As duas eram muito próximas e viviam ao lado uma da outra.

Um dos livros de Carrie Fisher, "Postcards from the Edge", que foi depois adaptado ao cinema ("Recordações de Hollywood", com Meryl Streep e Shirley MacLaine), é um retrato ficcionado da relação entre as duas, mas a síntese da por vezes conflituosa e complexa relação entre as duas chama-se "Bright Lights: Starring Carrie Fisher and Debbie Reynolds".

O documentário, que agora vai chegar ao canal HBO em março 2017 em circunstâncias muito diferentes das que rodearam a aclamada estreia mundial no festival de Cannes em maio, mostra de forma divertida e comovente as duas estrelas excêntricas, mãe e filha, famosas e lendárias por mérito próprio, mas também mulheres fortes que passaram por momentos difíceis e também espantosos nas suas vidas.

Uma das últimas grandes estrelas de Hollywood

Nascida a 1 de abril de 1932 como Mary Frances Reynolds, ganhou o primeiro lugar num concurso de beleza em 1948 e pouco depois conseguiu o primeiro contrato com o estúdio Warner Bros, adoptando o nome artístico com que faria a estreia num pequeno papel não creditado em "June Bride/Noiva da Primavera" em 1948.

Dois anos mais tarde tornou-se uma revelação com "Three Little Words/Três Palavrinhas", pelo qual foi nomeada para um Globo de Ouro.

O seu primeiro papel como protagonista, e aquele que a colocou para sempre no coração dos cinéfilos, foi o de Kathy Selden no clássico do musical "Serenata à Chuva" em 1952, ao lado de Gene Kelly e Donald O'Connor. Tinha 19 anos.

Tornou-se uma estrela e seguiram-se sucessos como "The Affairs of Dobie Gillis" (1953), "Susan Slept Here/As Três Noites de Susana" (1954),  "Bundle of Joy/Vem a Meus Braços" (1956, segunda nomeação para os Globos) e "The Catered Affair" (1956).

Ao mesmo tempo, afirmava-se no mundo da música, primeiro com a canção "Tammy" do filme "Tammy and the Bachelor/A Flor do Pântano" (1957) a chegar ao primeiro lugar no top de vendas, e depois com o primeiro álbum, "Debbie" (1959).

O público estava encantado com a beleza sulista inocente que via no grande ecrã, mas a década fechou com um escândalo muito público fora dele, um dos maiores de Hollywood: o divórcio do cantor Eddie Fisher.

Tinham casado em 1955 e a imprensa tratou a relação como um conto de fadas, com direito a dois filhos, Carrie (1956-2016) e o ator, realizador e produtor Todd Fisher (1958). Ruiu tudo quando se descobriu que ele estava a ter um caso com Elizabeth Taylor, uma das suas melhores amigas.

Nos anos seguintes, ao mesmo tempo que mantinha os espectáculos ao vivo em Las Vegas, prosseguia a carreira no cinema ao lado de Fred Astaire em "The Pleasure of His Company/O Prazer da sua Companhia" (1961) e afasta-se dos musicais e comédias com "How the West Was Won/ A Conquista do Oeste" (1962), protagonizando o segmento realizado por Henry Hathaway.

O auge aconteceu com "The Unsinkable Molly Brown/Os Milhões de Molly Brown" (1964), um "biopic" sobre a aventureira Margaret Brown (interpretada por Kathy Bates em "Titanic"), que lhe valeu a única nomeação para os Óscares.

Ainda encontrou em "The Singing Nun/A Irmã Sorriso" (1966) e "Divorce American Style/Como se Divorciam os Americanos" (1967) projetos à altura do seu talento antes de se virar para a televisão, mas o programa com o seu nome só dura uma temporada porque se opunha à exibição de anúncios a tabaco pela estação NBC.

Ao chegar aos 40 anos, Hollywood já não a queria e afastou-se após "What's the Matter with Helen?/Duas Mulheres... um Destino" (1971) e a animação "Charlotte's Web/A Teia de Carlota" (1973), mantendo os espectáculos ao vivo  e participações esporádicas em televisão; como tantas estrelas do seu tempo, surge por exemplo em "O Barco do Amor".

Também é por esta altura que fez a estreia na Broadway com "Irene" (1973), um triunfo que a levou em digressão pelo país e lhe valeu o Tony, o prémio máximo do teatro americano. Aos palcos voltaria outras vezes, incluindo com "The Unsinkable Molly Brown" no final dos anos 80.

O regresso em grande ao cinema aconteceu em 1996 ao lado de Albert Brooks em "Mother/Mãe": foi nomeada para um Globo de Ouro, mas falha a nomeação para os Óscares, o que foi um escândalo.

Os produtores da cerimónia, reconhecendo a "injustiça", convidaram-na para apresentar uma categoria, onde ainda protagonizou uma rábula com a filha. Desta época foi também o simpático "In & Out/Dentro e Fora" (1997), onde era a mãe de Kevin Kline.

Em 2001, surgiu no telefilme "These Old Broads", escrito por Carrie Fisher, ao lado de Shirley MacLaine, Joan Collins e Elizabeth Taylor, com quem há muito se reconciliara.

Os seus últimos trabalhos comoatriz foram "One for the Money/À Segunda Não Me Escapas" (2012), uma comédia com Katherine Heigl que não deixa boas memórias, mas tem mais sorte com o telefilme "Behind the Candelabra/Por Detrás do Candelabro" (2012), de Steven Soderbergh, interpretando a mãe de Liberace.

No plano pessoal, casou mais duas vezes: com o empresário Harry Karl, que durou entre 1960 e 1973, e a deixou também em dificuldades financeiras por causa de maus investimentos e o vício do jogo; e com o promotor imobiliário Richard Hamlett, de 1984 a 1996.

Debbie Reynolds também foi uma ávida coleccionadora de objetos ligados ao cinema e mulher de negócios, chegando a comprar um hotel e casino em Las Vegas que a obrigou a declarar a bancarrota pela segunda vez em 1997. Até um problema de saúde em 2012 a forçar a abrandar, fazia espectáculos pelos EUA 42 semanas por ano.